

Amélia era dona de um quintal cheio de vida e afeto
O Quintal da Vó Melia
O Quintal era o coração da casa. É no quintal que ficava a cozinha, na verdade, era um cômodo que abrigava a cozinha e “ copa” (mesa com cadeiras e demais móveis para guardar tudo que se usa, desde garfos a batedeira). A mesa que abrigava as refeições, também era a mesma que abrigava as tintas e pincéis que se transformaram nas pinturas da Amélia, bem como grande parte dos seus crochês. Também abrigava a curiosidade de uma das netas que gostava de mexer na caixa de papelão pardo recheada de fotografias antigas. E a brincadeira era ficar perguntando sobre a fotografia, quem eram as pessoas, qual a história das pessoas da fotografia. Neste cômodo, também, ficava a máquina de costura, um guarda-roupas, e uma estante/armário cuja “porta” era um cortina de tecido, foi de plástico, depois passou a ser de tecido. E nesta estante ainda abrigava uma televisão preto e branco.
Na frente deste cômodo tinha um grande canteiro com plantas e ervas que se estendia da parede até a porta. De um lado tinha um quarador de roupas e os varais sempre com algo estendido, do outro o “ranchinho”, onde havia uma bancada, armários com ferramentas do Mario, esposo de Amelia, outro com panos de limpeza, o taque de lavar roupas, um fogão (para fazer frituras, sabão e os canudinhos e crostolis de natal), um espelho para Mario se barbear, muitas plantas, samambaias, avencas, rendas portuguesas e tantas outras. E a talha de barro desgastada pelo tempo que se equilibrava resistente, mas que tinha a água mais fresca e saborosa do mundo. E um balanço de cordas e madeiras construído pelo Mario.
Na segunda parte do quintal, que dava para a entrada mais usada da casa, canteiros com plantas, ervas, flores. Tinha capim-limão, manjericão, boldo, pariparoba, babosa, gerânio. Vasos de muitos tamanhos com plantas diversas, antúrios de muitas cores e tamanhos, avencas,e uma infinidade de folhagens. E quando parecia se estreitar, as plantas subiam e faziam uma cobertura onde a flor de cera se misturava com a parreira de uva, da uva miúda e extremamente doce como era o afeto do casal que morava ali, daqueles dois avós. Quase emendando com esse corredor um novo canteiro no chão ocupava o espaço, mas aí tudo já estava junto; plantas suspensas, grandes vasos ocupavam essa área e sobrava um espaço para uma cadeira de ferro com tiras de plástico ali no meio.
Esse quintal era um mundo de afetos, mágico e de aprendizados. O casal de velhos que ali moravam, o ferroviário aposentado e a filha de italianos extremamente habilidosa.
O quintal, a terra cultivada, as plantas, os chás, as ervas, os sabores, os cheiros, ou apenas a vida ali aflorando da terra. A diversidade de insetos; besouros, joaninhas e tantos outros. As minhocas afofando a terra. Os afetos. a importância dos seres e do respeito à vida, a diversidade e pluralidade. A convivência harmônica.
Meus avós são constantes inspirações em minha vida. Sigo com esse quintal em minha alma e em minhas memórias, é para lá que vou sempre. Vou em sonho quando algo me aflige, sento no degrau e vejo minha avó , vejo meu avô, vejo as plantas, as formigas seguindo em fila indiana carregando folhas daquele farto e imenso quintal.